COSTELÃO DE NOVILHA

COSTELÃO DE NOVILHA
A PROVA DE QUE APRENDI A ASSAR...

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Exéquias de meu pai.

 Ah os gatilhos da memória. Quando meu pai faleceu, meu cusco não saia debaixo do seu caixão. Quizeram tirá-lo, não deixei. Meu pai o comandava por gestos. Quando chegava do serviço, apontava para o teto da sua casinha e ele obediente, subia. Calmamente o acariciava e o desprendia da corrente. O Dick (esse era o nome que coloquei no meu cachorro) primeiro o festejava, saltitando em sua volta e depoi saia em disparada pela rua ou pátio, o que lhe desse na telha.

Quando achava que já era hora de o prender novamente, assobiava e ele obedientemente o atendia e já sabia: subir no teto da casinha. O que meu pai ensinou para ele era uma maneira em que não precisava se agachar por estar já comprometido com sua doença.
Lembrando agora do falecimento do meu velho, me dou conta que eu era muito prático para as coisas. Primeiro resolvê-las, depois digerí-las em forma de sentimentos. No início da semana em que ele morreu, já sabia, por participar e acompanhar a evolução de sua doença, que daquela semana não passaria. Isso foi um escudo meu. Buscava seus remédios, estava sempre lhe acompanhando, e quando minha mãe se deu conta que ele estava nos deixando, me chamou para que trouxesse o doutor que tratava dele. Fui atrás de meu Cunhado que nos auxiliava nesse affair em sua casa, como não estava, fui ao cinema, interrompi a sessão até que o achei. Voltamos com o médico mas nada mais podíamos fazer.
Não chorei. Auxiliava minha mãe no que ela pedia. No dia seguinte o enterro. Para sair da casa (os velórios naqueles tempos eram conduzidos em casa) alguém sugeriu passássemos o caixão pela janela já que a largura do caixão era maior que a porta. Meu tio Leopoldo Steinhauss saltou e disse: - Não mesmo, o meu cunhado Bento vai sair pela porta da frente. Dito isso, busquei as ferramentas necessárias para que ele despregasse uma das tábuas para permitir a passagem.
Passado seu funeral, já à tardinha, minha mãe pediu que fosse à farmácia para lhe trazer um remédio. Na volta, quando entrei pela porta da frente, que abri de sopetão, encontrei um dos meus professores com uma turma de colegas do CEAP. Aí que o sentimentãl aflorou e chorei copiosamente! Havia realmente notado que ninguém dos colegas tinha vindo para exéquias.
Pode ser uma imagem de animal e texto

sexta-feira, 21 de junho de 2024

No rancho fundo.

 Pois não é que essa história do gatilho que traz lembranças, me pegou de jeito. A mulher assiste a novela do Rancho Fundo e eu dou pitacos e umas bispadas de quando em vez.

Acontece que a música existe desde 1931 e foi gravada e regravada por muitos cantores e cantoras. Foi vendida em 1989 como de Chitãozinho e Chororó pelo sistema fonográfico. Música linda, fez sucesso.

Mas como todo velho que se propõe a contar seus causos, tenho um bem interessante.

Num velho rádio de válvulas, que eu desmontava pra limpar, meu pai e minha mãe ouviam a rádio Tupi noite adentro. Era de cabeceira, não saía dali pra nada. Em torno dele ouvíamos as transmissões futebolísticas e era o nosso contato com o universo brasileiro. Claro que essa música fazia parte do que ouvíamos. Corria a década de 1950 e ela ficou gravada na memória.

O tempo passou, minha mãe enviuvou mudei para Porto Alegre, casei, tive filhas, divorciei e estava morando sozinho quando em uma noite chegando de um plantão da firma em que trabalhava, tranquei a porta do edifício de 3 andares e maldice quem deixou destrancada e me recolhi.

Na madrugada, um barulho na porta me despertou. Morava no 1º andar e ouvia tudo que se passava na porta. Nesse dia as duas filhas estavam comigo e dormiam no quarto e eu na sala. Então ficou mais fácil de ouvir. Batidas na porta e abri logo. Era meu sobrinho. Não tive dúvidas. -É a mãe? -Sim. Me respondeu. Nesse momento uma música começou a tocar na minha cachola.

Na ida para Ijuí, passei no centro de Porto Alegre para dar carona ao meu irmão e seguimos viajem. 

Mais ou menos perto de Lageado, pra passar o sono, comecei a assobiar no rancho fundo. Meu irmão segurou com força o meu braço e perguntou: - Você está com essa música na cabeça?

 -Desde que soube!Lhe respondi. Só não posso dar ele como testemunha, pois já é falecido.

quinta-feira, 20 de junho de 2024

O pessegueiro do Tio Déi

 Dando asas aos gatilhos provocativos que rebuscam nossas almas, "Entrou por uma porta saiu por outra, quem quizer que conte outra", lembrei do incêndio que provocamos em casa mas que não se concretizou graças aos malabarismos que praticávamos subindo no pessegueiro do galpão!

Noutra postagem me desnudei e contei que o pessegueiro que tinha pertinho do galpão que tinha um galho que subia por cima do mesmo, era minha rota de fuga dos tempos trovejosos e de varadas da mãe! Pois nessa o pessegueiro foi minha rota para apagar um princípio de incêndio inicado por mim e pela minha mana mais nova.

Minha mãe estava adoentada e quem estava tomando conta de fazer fogo, cozinhar e ajudar nos serviços da casa, era minha mana mais nova e eu (botei o burro despois). Pois uma tarde ou manhã (sei o milagre, mas não quando aconteceu) tinhamos que fazer o fogo no fogão à lenha. Não tínhamos fogão à gaz. Acontece que sempre fui previnido e por causa disso havia feito uma caixinha de gravetos lascados de lenha para iniciar o fogo. Como era o mais velho, iniciei o fogo e falei pra mana que cuidasse do fogo que iria fazer não sei o que. Acontece que o cano do fogão passava pelo forro de madeira e estava carcomido pela ferrugem bem na altura das tábuas de que era feito. Isso normalmente não teria problema pois as labaredas normalmente não atingiriam esssa altura - mais ou menos de 2,4 metros. Mas porém, todavia, contudo, entretanto, a maninha tinha colocado praticamente todos os gravetos, um a um na fornalha do fogão criando labaredas. Para completar a fotografia, tinha aberto o suspiro e as labaredas subiram livres leves e soltas cano acima. Voltando ao cenário, senti cheiro de tinta queimando e levantei os olhos e vi o que estava se formando. Não sei o que me levou a ter sangue frio e apagar o fogo no fogão primeiro, enchi um lata de azeite que servia de copo/vasilha com água e corri para o pessegueiro. Subi no telhado e corri até o canto em que dava no telhado da casa, passei para ele, afastei as telhas de barro e despejei toda ao redor do cano. Incontinenti voltei ao pessegueiro onde a minha mana estava esperando para buscar outro copo d'água e assim conseguimos apagar o fogo. Consertei o telhado. Quando desci, minha mãe havia levantado e tomou conta da situação. 

As nossas artes nos deram a agilidade para contornarmos a situação. Ufa! 

A laranjeira do vô Bento

Dia destes uma amiga virtual postou sobre uma laranjeira que morreu de velha e era a rota de fuga das tundas prometidas e, por conta da árvore, não se concretizavam. Quando envelhecemos temos uma cachola recheada de histórias que, como nos arquivos dos computadores e nuvens de internet, tem índices que são acionados quando alguma palavra chave se nos apresenta. Acho que a geração atual não terá esse privilégio de carregar consigo tantas histórias reais. No máximo alguma coisa que algum aplicativo de relacionamento trouxer como se fosse uma memória auxiliar. Mesmo assim, como se comunicam com emojies, se receberem um, não conseguirão relembrar a qual assunto se refere e se no passado ou no presente. Seus sonhos virarão pesadelos com carinhas de todos os tipos circundando suas cabeças sorrindo, triste ou gargalhando.

Mas saindo dessa explicação deste quase senil pensador, a lembrança de uma laranjeira e das fugas trouxe-me lembranças de uma figura ímpar que foi meu pai Bento carvalho.

Tínhamos um terreno amplo muito utilizado nas décadas de 1930/40/50: 15x50. Este terreno além da casa, tinha uma variedade de árvores frutíferas que nos deleitavam na nossa infância e juventude. Na saída da cozinha, bem enfrente a porta, tinha uma laranjeira comum. logo após várias laranjeiras de umbigo, um pessegueiro, marmeleiro, peras e novamente pesegueiros. Em frente à casa à esquerda, uma outra laranjeira comum. Todas tinham acesso livre por todos os habitantes, menos duas: a da porta da cozinha que era do pai (usufruto da mãe para seus doces) e a da frente da casa que era dos netos. 

Essa hierarquia com o tempo se quebrou e todas eram de todo o mundo. 

Ah, tinha um pessegueiro que estava atrás do galpão e o seu galho mais frondoso partia para cima do telhado dele.

Bueno, como minha amiga mencionada, serelepe que eu era, tinha que ter uma rota de fuga no reino vegetal. Só que não era a laranjeira, pois era mais difícil de subir. Era o pessegueiro do galpão! Aparecia alguma nuvem na constelação familiar e o "nego Déi" (meu apelido) se encarapitava no telhado do galpão pela via expressa do pessegueiro. Não descia nem com promessa de não haver surra.

A laranjeira do Vô Bento, eu subia sim, um jeitinho aqui, esgaçando os cambitos ali, logo tava nas grimpas. Quando era para a mãe, ela ficava em baixo com um avental na cintura e segurando as duas pontas da barra, aparando as laranjas mais bonitas para seus doces. Claro que também me fartava. Lembro de uma ocasião em que voltei, já taludo, do curso de contabilidade que cursava à noite e depois do expediente no quartel, e deu vontade de chupar umas laranjas. A porta da cozinha sempre aberta esperando os filhos que ainda não chegaram, entrei, larguei os cadernos, peguei uma faca e subi na laranjeira.

Uma lua cheia enorme iluminava tudo em volta e não tive dificuldades de achar as maiores e mais doces laranjas que comi na vida. Depois de cinco ou seis, fiquei ali matutando sobre a vida e o que queria fazer quando ouvi minha mãe, que estava parada na porta: -É tu nego Déi? Ela tinha ouvido o barulho da porta e como a luz continuava acesa, foi ver o que acontecia. 

Saí do devaneio e dei um longo abraço nela. Institivamente sabia que aqule acontecimento nunca mais se repetiria. A vida, alguns anos após, me separaria dela já viúva, mas sempre estive bem ligado a ela.

O pessegueiro do galpão tem outras histórias, oportunamente quando algum outro gatilho me cutucar, trago por aqui.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

Dia dos namorados de dois jovens à mais tempo

 Pos eu (o burro vem primeiro) e a companheira já não cozinhamos na primeira fervura, mas temos ainda as faíscas namorativas da época que ainda não tinhamos muita experiência e estão muito bem guardadas nas cacholas. Por isso resolvemos tirar o dia longe das coisas entediantes diárias: cozinhar, lavar louça e roupa, varrer, cortar lenha e et coetera. Programamos ir para a cidade maior da Região Metropolitana de Itaara - RMI, uma tal de Santa, a Maria. 

A cosa era farta (de bastante e não de faltar) de ideias (ô palavrinha que ficou feia sem o assento, parece que tá nua): algumas comprinhas de cosas que nos faltava, olhar as vitrines, ver o movimento, olhar as novidades, fazer algum lanche, almoçar cosas frugais, e voltar pro aconchego do lar o mais tarde possível. Os namoros propriamente ditos, ficariam para nossa alcova, pos os lugares que o pessoal que não tem onde fazer arte vai, estão muito caros e não carece de gastar o rico dinheirinho das aposentadorias em coisas que se tem de graça. Tem graça!

Como não usamos carro, por opção, iríamos, como sempre, de ônibus. Desceríamos mais ao centro, compraríamos o que nos propusemos, faríamos o tal de lanche da manhã, passearíamos no Shoping Tal (não vou fazer propaganda grátis), almoçaríamos e, à tarde, visitaríamos outro Shoping Tal, matando tempo até pegar o último ônibus da tarde para a capital da RMI.

Para a janta comemorativa, programamos uma tábua de frios. Queríamos uns dois ou três tipos de queijos, azeitonas, pepinos, pão de sanduiche cortado quadradinho com molho à lá Bento - feito com requeijão sabor Chedar, mostarda escura e ketchup vermelho. Complementaríamos com salame italiano, presunto e copa.

Os deuses dos namorados mais passados em idade, têm suas próprias ideias que não necessáriamente são as dos ditos cujos. Então como diz Murphy em uma de suas leis: Se uma coisa tem uma mínima possibilidade de dar errado, dará nos piores momentos e na pior sequência possível. Não sei se o enunciado é esse, mas não sei, só sei que foi assim.

Queríamos ir conversando num colóquio mais íntimo quanto um ônibus permite. Um vizinho nos viu na parada e nos ofereceu carona. Pronto, a intimidade se foi pras cucuias. Ainda bem que nos poupou as passagens. A carona foi com perna de anão, nos deixaram na entrada da cidade. Pegamos outro ônibus. 

Queríamos descer no centro, a minha próstata reclamou e tivemos que descer antes pois precisava urinar e tenho já alguns pontos comerciais que me facilitam o uso do banheiro. Com isso a caminhada encompridou.

Olhamos vitrine, entramos numa loja pra comprar alguns produtos de beleza pra parceira e ao sair eu não estava me sentindo bem pois tenho problemas respiratórios que se agravam com vento, principalmente na cabeça. Como queria me amostrá não botei minha boina e fiquei todo entupido e meio zonzo. Entramos em uma cafeteria tradicional de Santa, a Maria, e fizemos um lanche regado à café. Uma paulada: uma xícara valendo 80% de meio quilo de pó de café. Mas como diz o velho ditado: O bom cabrito não berra, paguei sem berrar mas com o cartão da companheira.

Passado o mal-estar com o devido repouso sentado na cafeteria, resolvemos comprar um boné, o que fizemos no prédio dos camelôs. Com os miolos tapados, seguimos nossa saga. 

Fomos ao Mega Supermercado Tal (não faço propaganda grátis) comprar alguns dos quitutes que não achamos normalmente em Itaara. Variedade de queijos, alguns nem sabia que existiam, porém os preços não fechavam com minha aposentadoria. Coisa em torno de 100 reais o quilo. Passamos. Não tinha o tal requeijão sabor Chedar. compramos o tradicional. Copa acho que nem fabricam mais, pois também não tinha. Se não tinha, não compramos.

Ao sair do Mega Supermercado Tal, o lanche pesou e resolvemos dar um tempo sentados num dos bancos da avenida com mais bancos que conheço: Av. Rio Branco. Do início ao fim bancos em profusão no canteiro central, dos dois lados. 

Depois de cansar de ver o movimento, fomos almoçar. coisa bem frugal: peixe e algumas saladas. 

Já cansados  resolvemos que voltaríamos às 14 hs ao invés do último horário da tarde. 

Sem todos os ingredientes que queríamos descemos em frente a um mercadinho que tem queijo colonial e após fomos ao outro mercado comprar uma morcela branca, salame italiano, azeitonas recheadas.

Se arrastando chegamos em casa. Tomamos um cafezinho passado, nos livramos das roupas e... dormimos no meio da tarde!

À noite degustamos a tábua de frios possível com Sprite já que não estamos tomando bebida alcoolica.

Despois, bem, despois fica entre eu (olha o burro novamente) e a companheira, não fiquem querendo botar o bedelho no namoro dos outros!



quinta-feira, 6 de junho de 2024

Aula de Geopolítica Imperial

 

Esse foi um artigo meu recente para o site Middle East Monitor, , um dos maiores sites de notícias sobre o Oriente Medio do mundo. Nesse artigo explico por que os EUA, apesar do retumbante fracasso no Afeganistão, tiveram um imenso LUCRO FINANCEIRO promovendo guerras, assassinatos de crianças e genocídios nos 20 anos no Oriente Médio.
"Um obsceno, desumano, e imensamente lucrativo negócio. Muitos brasileiros imaginam que a tal Guerra ao Terror, ou seja, as invasões criminosas dos EUA ao Afeganistão, ao Iraque, à Líbia, e depois à Síria, travestidas de “vamos levar a democracia e salvar as mulheres desses países” possam ter sido, além de um retumbante fracasso militar, um espetacular prejuízo à maior potência bélica do mundo e aos aliados da morte. Nada poderia estar mais longe da verdade.
Para entendermos por que isso é tão falso, é necessário voltarmos a 2003 e à invasão do Iraque, vendida ao mundo como humanitária e justa pelas “ provas” que os norte-americanos teriam de que o Iraque possuía armas químicas e de destruição em massa. Armas que jamais foram encontradas porque simplesmente jamais existiram.
Os EUA causaram o genocídio de um povo que já estava de joelhos devido às sanções que vinha sofrendo. Entre março de 2003 e agosto de 2007, a Guerra do Iraque matou de mais de um milhão de iraquianos, entre mulheres, crianças e jovens, produziu mais de 5 milhões de refugiados, produziu a fome e o empobrecimento em massa, e permitiu o roubo do maravilhoso patrimônio cultural do país que foi um dos berços da humanidade. Negociantes norte-americanos de antiguidades encomendaram o roubo de milhares de relíquias do império abássida, da época de ouro de Bagdá, da cidade que foi durante mais de 1000 anos uma das capitais mais lindas, avançadas cientificamente, tolerantes e mais ricas do planeta, uma espécie de farol do mundo durante a Idade Média, época em que o Ocidente estava mergulhado nas trevas do feudalismo, da servidão miserável que produzia apenas fome, das guerras entre pequenos reinos que não formavam sequer uma nação e de pequenos tiranos que se matavam entre si, enquanto a Igreja proibia que milhões de jovens pobres estudassem e queimava mulheres nas fogueiras.
Bush Jr desconhecia completamente a história de Bagdá como um dos berços da civilização humana e chegou a dizer várias vezes que os EUA fariam uma “ nova cruzada”, até ser corrigido por um de seus assessores, que lhe explicara que que essa era uma péssima analogia pois os cristãos haviam matado muito mais que os muçulmanos e cometido mais atrocidades durante as Cruzadas e os fatos eram confirmados pelos maiores historiadores do mundo.
As imagens da invasão criminosa dos EUA ao Afeganistão, de crianças mutiladas e mulheres ensanguentadas ao lado de seus bebês, povoariam meu coração e minha mente para sempre, desde que as vi pela primeira vez num telão da Via Veneto, em Roma, onde eu morava naqueles anos.
Além de uma tristeza imensa, as imagens me intrigavam pela rapidez da resposta da CIA e do governo Bush aos ataques. Ainda em setembro de 2001, em Roma, descobri que jovens muçulmanos, meus amigos, que viviam e estudavam na Itália, e haviam viajado para seus países de origem nas férias de verão, estavam sendo impedidos de voltar a Roma e que a Itália, presidida então por Berlusconi, estava assinando acordos militares com os norte-americanos e liderava uma campanha midiática de ódio religioso e islamofobia que me envergonhavam profundamente como cristã.
O povo iraquiano mergulhava no que se transformaria em duas décadas de fome, miséria, medo, destruição de vidas, escolas, passado e futuro, ao mesmo tempo em que as empresas norte-americanas de petróleo mergulhavam em duas décadas de prosperidade, ambição de domínio mundial, riqueza jamais vista. Se as armas químicas jamais foram encontradas pela CIA e pelos militares norte-americanos, os poços de petróleo e as reservas que valiam bilhões foram encontradas nas primeiras semanas de invasão dos EUA ao país, e hoje pertencem multinacionais americanas como a Exxon, ou seja, criam riquezas, empregos, lucros estratosféricos para investidores e empresários norte-americanos.
Os norte-americanos convenceram o mundo de que essa era uma guerra da civilização contra a barbárie, do cristianismo ocidental, que” jamais errara”, contra muçulmanos malvados, terroristas e estupradores, mesmo que a História das Cruzadas e da Reconquista violenta da Andaluzia pelos reis cristãos evidenciassem que o oposto acontecera durante séculos(...)
As justificativas para mais guerras, depois de já terem invadido 38 países do mundo nos últimos 70 anos, patrocinado ou apoiado Golpes militares como os do Chile e do Brasil, destruído dezenas e dezenas de economias do mundo, matado milhões de inocentes, e jogado duas bombas nucleares no Japão, em Hiroshima e Nagazaki, no final da II Guerra Mundial, eram “encontrar Bin Laden, destruir a Al Qaeda, destruir o Talibã no Afeganistão, e, claro, salvar o povo sofrido do Iraque e do Afeganistão”.
(...) Minha filha, uma menina observadora e curiosa como eu na sua idade, me diria, pedindo uma explicação, dois dias depois da saída dos EUA de Cabul: "Mãe, os EUA mataram mais de 200 mil pessoas no Afeganistão, e mais de um milhão de pessoas no Oriente Médio, eu li que eles gastaram dois trilhões de dólares lá, mas as pessoas estão se pendurando em aviões, as crianças estão passando fome e o Talibã voltou, então, eles mataram tantas pessoas por nada e ainda tiveram esse prejuízo!
Naquela noite expliquei à minha filha, com imensa tristeza pelas amigas refugiadas afegãs que conheci em Roma, como Latiffa, com quem tenho conversado desde então, que os EUA, sua fábrica de matar mulheres e crianças, seus senhores da morte e sua indústria armamentista jamais tiveram prejuízos nessas duas décadas.
Expliquei a ela que o complexo industrial-militar norte-americano é composto por 14 mil companhias que empregam cerca de 3 milhões de pessoas. As cinco maiores fabricantes de armas no mundo são empresas norte-americanas que alcançaram juntas um faturamento de mais de US$ 165 bilhões em 2019.
Ou seja, o dinheiro gasto e perdido é socializado e dividido entre os contribuintes dos EUA, um país com mais de 40 milhões de pessoas vivendo na linha da pobreza e sem assistência médica básica, mas o lucro obtido através das guerras e das mortes de milhoes de muçulmanos é privatizado. Ganhar ou perder uma guerra em solo estrangeiro não é importante para a indústria da morte norte-americana. O relatório da Universidade Brown, divulgado em 2021, apontou que o Pentágono gastou desde 2001 quase 6 trilhões de dólares em invasões e guerras(...)
Pode ser uma imagem de 3 pessoas e texto que diz "i monitordooriente.com os EUA e suas indústrias da morte são a grande ameaça à paz mundial, e não o Oriente Médio"
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Você, Lucia Helena Issa e outras 34 pessoas