COSTELÃO DE NOVILHA

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A PROVA DE QUE APRENDI A ASSAR...

quinta-feira, 20 de junho de 2024

A laranjeira do vô Bento

Dia destes uma amiga virtual postou sobre uma laranjeira que morreu de velha e era a rota de fuga das tundas prometidas e, por conta da árvore, não se concretizavam. Quando envelhecemos temos uma cachola recheada de histórias que, como nos arquivos dos computadores e nuvens de internet, tem índices que são acionados quando alguma palavra chave se nos apresenta. Acho que a geração atual não terá esse privilégio de carregar consigo tantas histórias reais. No máximo alguma coisa que algum aplicativo de relacionamento trouxer como se fosse uma memória auxiliar. Mesmo assim, como se comunicam com emojies, se receberem um, não conseguirão relembrar a qual assunto se refere e se no passado ou no presente. Seus sonhos virarão pesadelos com carinhas de todos os tipos circundando suas cabeças sorrindo, triste ou gargalhando.

Mas saindo dessa explicação deste quase senil pensador, a lembrança de uma laranjeira e das fugas trouxe-me lembranças de uma figura ímpar que foi meu pai Bento carvalho.

Tínhamos um terreno amplo muito utilizado nas décadas de 1930/40/50: 15x50. Este terreno além da casa, tinha uma variedade de árvores frutíferas que nos deleitavam na nossa infância e juventude. Na saída da cozinha, bem enfrente a porta, tinha uma laranjeira comum. logo após várias laranjeiras de umbigo, um pessegueiro, marmeleiro, peras e novamente pesegueiros. Em frente à casa à esquerda, uma outra laranjeira comum. Todas tinham acesso livre por todos os habitantes, menos duas: a da porta da cozinha que era do pai (usufruto da mãe para seus doces) e a da frente da casa que era dos netos. 

Essa hierarquia com o tempo se quebrou e todas eram de todo o mundo. 

Ah, tinha um pessegueiro que estava atrás do galpão e o seu galho mais frondoso partia para cima do telhado dele.

Bueno, como minha amiga mencionada, serelepe que eu era, tinha que ter uma rota de fuga no reino vegetal. Só que não era a laranjeira, pois era mais difícil de subir. Era o pessegueiro do galpão! Aparecia alguma nuvem na constelação familiar e o "nego Déi" (meu apelido) se encarapitava no telhado do galpão pela via expressa do pessegueiro. Não descia nem com promessa de não haver surra.

A laranjeira do Vô Bento, eu subia sim, um jeitinho aqui, esgaçando os cambitos ali, logo tava nas grimpas. Quando era para a mãe, ela ficava em baixo com um avental na cintura e segurando as duas pontas da barra, aparando as laranjas mais bonitas para seus doces. Claro que também me fartava. Lembro de uma ocasião em que voltei, já taludo, do curso de contabilidade que cursava à noite e depois do expediente no quartel, e deu vontade de chupar umas laranjas. A porta da cozinha sempre aberta esperando os filhos que ainda não chegaram, entrei, larguei os cadernos, peguei uma faca e subi na laranjeira.

Uma lua cheia enorme iluminava tudo em volta e não tive dificuldades de achar as maiores e mais doces laranjas que comi na vida. Depois de cinco ou seis, fiquei ali matutando sobre a vida e o que queria fazer quando ouvi minha mãe, que estava parada na porta: -É tu nego Déi? Ela tinha ouvido o barulho da porta e como a luz continuava acesa, foi ver o que acontecia. 

Saí do devaneio e dei um longo abraço nela. Institivamente sabia que aqule acontecimento nunca mais se repetiria. A vida, alguns anos após, me separaria dela já viúva, mas sempre estive bem ligado a ela.

O pessegueiro do galpão tem outras histórias, oportunamente quando algum outro gatilho me cutucar, trago por aqui.

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